Pensar no processo de escolarização do filho surdo é tarefa bastante importante!

 

Pensar no processo de escolarização do filho surdo é tarefa bastante importante!

 

A educação brasileira, através da Lei Brasileira de Inclusão (Nº 13.146/15) entende que as crianças, independente de questões relacionadas à deficiência, têm o direito de estudar na escola que quiserem e próxima ao domicílio. Esta mesma lei contudo, explica o direito da criança surda ao estudar em uma escola regular, ser acompanhada por intérprete de Libras em todo o seu processo educacional OU estudar em escola bilíngue para surdos (isso no caso da criança fazer uso da Libras para comunicar-se).

Então, você sabe a diferença entre estes tipos de escola? 

Você sabe o que significa falar de inclusão educacional?

Por partes, começaremos a falar sobre o tipo de escola.

Em primeiro lugar é importante saber que a escola bilíngue para surdos deve funcionar como uma escola qualquer, ou seja, ela se diferencia do que chamávamos no passado de escola especial visto que, esta última, tinha uma preocupação muito mais assistencialista e instrumentalizadora para a criança com deficiência.

Acredita-se, no caso da criança surda, no seu potencial para estudar e aprender assim como qualquer outra criança ouvinte e portanto, pode acompanhar todo o “sistema” de ensino brasileiro desde que o receba através de uma Pedagogia adequada à sua forma de estar no mundo e isso significa então, a necessidade de privilegiar as experiências visuais e, portanto, o uso da língua de sinais como língua de instrução e um ambiente bilíngue constante dentro da escola. Por ambiente bilíngue então se entende o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como a língua em que todos os conteúdos serão ensinados e existirá a comunicação com a criança surda e a língua portuguesa como a segunda língua (Decreto 5626/05, CAPÍTULO VI, Art. 22). Isto é fundamental para que a criança tenha uma aprendizagem mais efetiva e possa existir equidade no processo de ensino-aprendizagem com as demais crianças ouvintes.

Desta forma, quando pensamos na diferença entre uma escola bilíngue para surdos e uma escola comum, podemos dizer que é pela língua a ser usada dentro da escola por todos os participantes deste local e, além disso, pela preocupação bastante importante quanto a forma da criança surda aprender e como apresentar o ensino a ela.

Mas então podemos pensar sobre porquê levar a criança surda para estudar numa escola regular junto com outras crianças ouvintes. 

 

Esta proposição faz parte da política educacional vigente no país em que preconiza que a criança, independente de “deficiência” esteja junto das demais e também que a família possa escolher a escola que desejar para seu filho partindo do princípio de que toda e qualquer escola deve estar pronta para receber o aluno, independente das especificidades de cada um. 

 

Temos então duas reflexões possíveis de serem feitas:

 

1 - o desejo das famílias de que seus filhos estejam “integrados” aos demais;

2 - a suposta preparação dos professores para ensinar a todos;

 

Nossa primeira reflexão é no sentido dos significados atribuídos à perda auditiva como incapacidade, déficit e, portanto, o entendimento social de que a criança deve ser colocada com as demais de forma a não ser “excluída” ou não sofrer preconceitos pelas demais, ficando o processo de aprendizagem escolar em segundo plano. Ademais, entende-se, neste caso, a necessidade de estar com outras crianças e “socializar-se” pelo simples fato de ter um déficit. Neste sentido se esclarece que não há problema algum na escolha das famílias pela escola comum, mas que não seja por este motivo apenas uma vez que a priori, a criança que não escuta não tem problemas de socialização brincando e interagindo com as demais sem problemas.

Em seguida, refletimos sobre a preparação dos professores para ensinar a todos os alunos em uma sala de aula, pois se sabe que os cursos de formação de professores, as licenciaturas não formam suficientemente para toda diversidade existente na sala de aula, ademais, em tratando-se por exemplo de crianças sem deficiências, já existe uma diversidade a ser atendida pelos professores. Outro fato, é que com a Lei de Inclusão, os professores podem ter na mesma sala, alunos com diferentes deficiências além dos demais estudantes, pensemos então, na dificuldade para atender a tantas especificidades ao mesmo tempo e quando falamos na criança surda então, trata-se de uma escolha linguística que o professor deve fazer. É certo que neste último caso se preconiza a presença de um intérprete de língua de sinais (LS), entendendo que este deve apenas mediar a situação linguística e que a função de ensinar permanece sendo do professor.

 

Outro ponto importante a se refletir é a adaptação curricular nas escolas. Pensar em um currículo que, ao invés de ser pensado para alunos ouvintes e depois apenas adaptado para os alunos surdos, seja pensado especificamente para os alunos surdos, entendendo e respeitando sua diferença linguística e sua característica mais visual, de forma que o currículo tenha objetivos e estratégias que sejam feitas diretamente para o aluno surdo objetivando assim seu crescimento e desenvolvimento acadêmico. Pensando nisso, devemos levar em consideração vários contextos de vida possíveis das crianças surdas que adentram a escola, temos crianças que já tem contato com a Libras, crianças que têm contato apenas com uma língua caseira acordada entre ela e os pais e crianças que não se enquadram em nenhum desses casos. É preciso entender a libras como uma língua natural da criança surda, sua L1, e o português como uma segunda língua, pois assim a conversa sobre uma adaptação curricular eficiente fica mais palpável, podendo-se fazer um currículo que ajude a criança surda a atingir todo seu potencial acadêmico, assim como todos os outros alunos. Desta forma ressaltamos que existe diferença entre “adaptar” o currículo para o aluno surdo e oferecer ensino para o aluno surdo com um currículo “adequado” para ele. Tratamos de duas questões completamente diferentes - uma pensada para um grupo e moldada para servir a outro e a segunda, com currículos pensados especificamente para cada uma das populações. Isso implica diretamente no olhar direcionado para a singularidade desse grupo linguístico que requer não “adaptações”, mas sim, cuidado em sua formulação e forma de aplicação.

 

Visitando escolas municipais na cidade de Salvador, observa-se a vontade de muitos profissionais em incluir e auxiliar os alunos surdos, porém, não se pode esquecer que apesar da boa vontade, esses profissionais referem não sentir-se devidamente preparados para trabalhar com esta população. Neste sentido ressalta-se que a educação desse aluno não pode ser baseada apenas em um auxílio por parte dos professores, mas sim na oferta do conteúdo de forma que a aprendizagem seja efetiva e possibilite o desenvolvimento pessoal e acadêmico do aluno surdo proporcionando “equidade” de condições. Muitas vezes o discurso por parte da escola evidencia a vontade de que o aluno se adeque a instituição e não o contrário, e esse discurso inclui, mesmo que involuntariamente, uma perspectiva que “patologiza” o aluno surdo evidenciando a reabilitação auditiva como a “salvação” para que esteja “incluído” adequadamente.  Isso acontece por diversas razões, muito porque esse ainda é o discurso hegemônico dentro da nossa sociedade sobre como pensamos sobre surdez, e também porque muitas vezes não estamos preparados para acolher o outro como ele é, seja por falta de recursos ou por esse acolhimento exigir de nós um esforço muito grande, o que torna mais fácil apenas esperar que o outro se adapte à nossa realidade para que, dessa forma, a relação se torne possível.

 

Enfim, há muitas questões que podem se relacionar à escolha da escola para a criança surda e a informação é o melhor caminho para a tomada de decisão. O mais importante de tudo, é que os responsáveis pela criança surda entendam as situações aos quais o filho estará submetido e assim, possam escolher de acordo aos seus interesses.

 

Continuaremos conversando...